domingo, 6 de janeiro de 2008

Autonomia e Igualdade no Mundo do Trabalho

INTRODUÇÃO
Queremos estabelecer uma relação direta entre a dupla jornada e a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Para isso vamos conceituar tempo doméstico e reprodução social, jornada padrão e jornadas excepcionais, trabalho vulnerável e trabalho formal. A padronização da jornada de trabalho diurna, em dias úteis, foi fundamental para a organização familiar, ao coincidir horário de trabalho, escola e centro municipais de educação infantil (creches). No entanto, a adoção de jornadas especiais (noturnas ou em fins-de-semana) rompe com esta compatibilidade.
Na sociedade moderna, a adoção de políticas públicas de ofertas de centros de educação infantil e escolas em horários compatíveis com a jornada padrão de trabalho possibilitou a compatibilidade entre o exercício da maternidade e da profissão.
TRABALHO FORMAL, ESCOLARIDADE E DESIGUALDADE SALARIAL
Dados de 2003 da PNAD-IBGE apontam que 28,8% dos lares brasileiros são chefiados exclusivamente por mulheres e que cada vez mais são elas as responsáveis pela gestão e manutenção da família. Isso nos leva a refletir sobre as características da inserção feminina no mercado de trabalho brasileiro.
A mulher está mais ocupada nos setores de serviços, nos sub-setores da educação e saúde, serviços pessoais e emprego doméstico. Embora esses setores sejam fundamentais para a reprodução social e a transformação produtiva, eles são os mais desvalorizados ou vulneráveis e tendem à remuneração com base no salário mínimo constitucional. No segmento doméstico, por exemplo, onde há maior inserção feminina, a remuneração é baseada no salário mínimo. Neste caso, as mulheres de 40 anos ou mais e com baixa escolaridade são as que mais se enquadram nesta situação.
Apesar da grande capacidade do capitalismo em revolucionar seus métodos, tecnologias e condições de trabalho, ainda não foi capaz de eliminar a necessidade de um tempo para a reprodução social, física e mental. Essa necessidade pode ser chamada de tempo doméstico. A intensidade do trabalho exige um tempo para o descanso dentro da jornada das 24 horas. Apesar dos elementos legais de padronização e regulamentação das jornadas, existem os regimes de jornadas excepcionais (trabalho contínuo, ou ininterrupto, como por exemplo, hospitais, empresas de siderurgia e petroquímica).
Na medida em que o trabalho se flexibiliza e uma mãe não trabalha mais no horário compreendido entre as 8 e 18 horas, mas também nos fins-de-semana, surge um problema adicional para a família, em especial para as mulheres, que independente do seu país, cumprem dupla jornada.
Em Curitiba e Região Metropolitana, de acordo com dados do IBGE-2004, as mulheres representavam 51,82% da população e 45,56% da População Economicamente Ativa – PEA. A pesquisa também apontou que elas recebiam 35,92% a menos do que os homens. As mulheres também sofriam mais com o desemprego naquele ano. A taxa feminina era de 10,33% contra 7,57% da masculina.
Outra pesquisa, RAIS 2005, aponta que a participação da mulher em Curitiba e RM foi de 43,11%, com salário médio de R$1.143,00, cerca de 23,03% a menos que homens. Os dados demonstram mais uma desigualdade: as mulheres (32,07%) têm maior escolaridade (curso superior completo e incompleto) que os homens (18,37%), no entanto recebem 41,48% a menos que eles.
No contingente de trabalhadores que ganham mais de 20 salários mínimos a disparidade entre homens e mulheres é ainda maior. Constataremos que apenas 24,6% são mulheres, representando menos de 1% do total de ocupadas no mercado de trabalho.
Na categoria bancária, em Curitiba e Região Metropolitana, essa realidade não muda. As mulheres são maioria (47,8%), possuem maior escolaridade, mas recebem 34,10% a menos que os homens.
TEMPO DOMÉSTICO e DEDICAÇÃO AOS FILHOS
Pesquisa feita pelo IE - Instituto de Economia – da Unicamp, em 2003, por Cláudio S. Deddeca, com base na PNAD, mostra o uso desigual do tempo entre homens e mulheres. Enquanto eles têm uma jornada de trabalho econômico (remunerado) maior, elas possuem uma jornada doméstica três vezes superior. A jornada de trabalho semanal do total dos homens ocupados é de 40 horas e 11 horas para a jornada doméstica. Já para o total de mulheres ocupadas, a jornada semanal de trabalho econômico é de 38 horas em média, e a jornada semanal doméstica é cerca de 30 horas. Nos casos de desemprego, um homem sem trabalho econômico dedica em média, 14 horas semanais ao trabalho doméstico, enquanto a mulher desempregada dedica em média, 33 horas semanais ao mesmo trabalho.
A pesquisa demontra, também, que mulheres com filhos possuem uma jornada diária de afazeres domésticos de mais 12 horas. A dupla jornada também está relacionada à baixa remuneração. Mulheres que fazem trabalho doméstico tendem a ganhar menos que aquelas que não o realizam. Essa diferença não existe entre os homens que fazem e os que não fazem trabalho doméstico. Isso acontece porque as mulheres que ganham mais geralmente pagam para que outra pessoa faça o trabalho doméstico.
CONCLUSÃO
As mulheres ainda enfrentam sérias desigualdades no mercado de trabalho, comparativamente aos homens. O desemprego continua maior no segmento feminino e os rendimentos ainda não se igualam aos ganhos masculinos. O salário mínimo constitucional é indicador dos rendimentos da mulher, daí a importância de sua valorização.
As mulheres ainda são as maiores responsáveis pelo trabalho de reprodução social, por isso é fundamental a disponibilidade de uma infra-estrutura social (centros de educação infantil, escolas e postos de saúde) compatível com as necessidades das jornadas flexíveis, com políticas públicas que possibilitem a superação das desigualdades e a afirmação da autonomia das mulheres no mundo do trabalho.

Nenhum comentário: